VIVA TIRADENTES: MAS QUAL?
"a terra parece que evapora tumultos; a água exala motins; o ouro toca desaforos; destilam liberdades os ares; vomitam insolências as nuvens; influem desordens os astros; o clima é tumba da paz e berço da rebelião"
Muito já foi dito e escrito sobre Tiradentes. Não se sabe bem ao certo quem foi este ícone da Revolução Mineira e qual foi seu papel exato neste evento. Tanto a esquerda como a direita já proclamaram como suas as idéias e o personagem histórico de Tiradentes. Por isso não entrarei aqui na melindrosa discussão de quem foi ou o que ele queria. Lidarei não com fatos históricos, mas com idéias. São várias as representações que se fazem destes mitos históricos, como Che Guevara, Emiliano Zapata, etc. Mas aquelas representações que ficam marcadas na memória do povo são, geralmente, aquelas ligadas a resistência e insubordinação. Dessa forma, o povo pode ao menos de maneira ideal mostrar o quão insatisfeitos estão.
Sendo assim, trago à tona a idéia do Tiradentes revoltoso com os desígnios da metrópole sobre a oprimida e super tributada colônia, que produzia (e produz) infindáveis riquezas em nome de uma riqueza da qual poucos conterrâneos compartilham com os estrangeiros, tudo isso baseado no trabalho escravo. Podemos entendê-lo através desta frase dele:
Minas é um lugar desgraçado, "porque, tirando-se dele tanto ouro e diamantes, nada lhe ficava, e tudo saía para fora, e os pobres filhos da América, sempre famintos, e sem nada seu"
Quero trazer a idéia da Revolução Mineira como burguesa sim, mas também como movimento autônomo de uma região castigada pela superexploração. É claro que não havia como por meio do contexto da época haver uma revolução socialista ou algo parecido. Mas vários eram os aspectos progressistas da conjuração, entre eles a retenção do capital criado in loco e o posterior início de industrialização local. Mas qual é a importância para os dias de hoje a idéia de um Tiradentes revoltoso? A resposta é simples, precisamos resgatá-lo porque necessitamos de formas de mobilização eficientes para fazer frente aos mandos e desmandos ditatoriais das grandes mineradoras em Minas Gerais.
Gramsci faz uma sábia distinção entre sociedade civil e sociedade política em que a primeira é feita de afiliações voluntárias como escolas, famílias e sindicatos, e a segunda de instituições estatais como exército, polícia e burocracia. Temos os dois caminhos como formas de reivindicação. Pela sociedade civil podemos contar com a atuação de ONGs, sindicatos e universidades. Do outro lado temos o caminho pseudo-democrático. É falso não por ser inexistente, mas por sua amplitude de atuação ser muito menor do que dizem ser. Freqüentemente as mineradoras realizam audiências públicas com as populações locais para legitimar como democrático a implantação das minerações. Em geral, são pouquíssimos os condicionantes que a população consegue impor aos projetos faraônicos das mineradoras, que dirá de impedi-los. Afinal, é possível negociar com, por exemplo, a Vale? Por meio desse processo as mineradoras legitimam suas vontades unilaterais. Para limitar os interesses das mineradoras frente aos interesses populares seria, politicamente, necessária uma grande aliança de classe. Mas para que isso aconteça deve haver um contexto muito diferente do o de hoje que, no máximo, alavancaria uma industrialização, relegando a mineração a um papel secundário dentro do cenário econômico.
Como podemos notar tais caminhos são válidos, e devem ser empreendidos com toda força, mas são bastante limitados. Mas ainda resta outro caminho. Caminho este o qual os brasileiros não temos muito costume de trilhar, mas que na América espanhola existem em grande número. São as organizações que atuam clandestinamente, inclusive na destruição física dessas mineradoras. Não sei se posso ser processado por escrever isso, aliás, nem sei se alguém lerá isso, mas que se dane. As conquistas do povo nunca foram dadas de mão beijada por seus mestres, e aqui é que trago à tona o episódio da Conjuração Mineira e Tiradentes que foi uma manifestação, reprimida violentamente, da população local, cansada de produzirem riqueza para os outros, restando ao povo mineiro nada mais do que a superexploração e igrejas de ouro. Cito os inúmeros movimentos indígenas no Equador e México que várias vezes se irromperam violentamente contra as multinacionais do petróleo. É claro, tal movimentação está longe de acontecer em Minas Gerais, mas não por falta de um ambiente propício para tal iniciativa, que já existe. E sim pela máscara do desenvolvimento que finge trazer riquezas às Minas Gerais sem mostrar claramente que elas, na verdade, são concentradas nas mãos de poucos. Ao povo, resta as ações filantrópicas das Vales e de Eike Batistas.
Pensando na revolta de Minas Gerais contra seus donos: VIVA TIRADENTES!
Comentários
Conheci seu blog recentemente, e por consequência a extensão política, social e econômica da mineração. É um assunto pelo qual não interessava.
Fortuitamente li os seus textos, e percebi que você consegue também, trazer para o leitor um aspecto mais amplo do que apenas assuntos concernentes à mineração. Considero que dessa forma você ressalta com eficácia, uma das especificidades da profissão de Sociólogo e também Professor.