A NEGAÇÃO DO FUTURO



Recentemente, li o livro "Questão de Método" de Jean Paul Sartre. Nele, o autor francês contrapõe o marxismo vulgar e stalinista do Partido Comunista Francês que diz ser o homem um simples resultado de suas condições materiais de existência. Esta interpretação economicista não consegue explicar o por quê de dois indivíduos da mesma classe serem diferentes. Sartre diz que sim, o homem é influenciado por suas condições materiais, mas cada indivíduo lidará de forma diferente com esta interiorização do exterior, formando uma relação de trocas entre indivíduo e seu meio. Dessa forma, não somos simplesmente o que queremos ser, somos as nossas condições materiais de existência, a forma que interiorizamos estas condições e como as exteriorizamos junto ainda à elementos genéticos. Assim, nossa realidade é um palco de potências.
No tempo presente, o indivíduo pensa no vir a ser do futuro. Assim o futuro aparece como guia do presente. O futuro é fator de transformação do presente. Mas este futuro é limitado por uma série de fatores.O principal limite são as condições materiais de existência. Isso limita o campo das possibilidades. O ser humano não pensa o que quer, mas pensa baseado em suas experiências e aprendizados. Então este campo de possibilidades se diferencia de acordo com a classe da qual faz parte o indivíduo.
Para Sartre, as possibilidades negadas fazem parte do que somos, "assim, positiva e negativamente, os possíveis sociais são vividos como determinações esquemáticas do futuro individual". Dessa forma, se nego ao sujeito a perspectiva de ser engenheiro, advogado, médico, etc, nego o futuro negando junto o seu presente. Essa negação faz parte do que ele é, e será seguida por uma reação do indivíduo, ou de resignação ou de revolta. Isso dependerá da compreensão ou não do processo que nega o futuro.
Noutro dia, num buteco belo horizontino, conversando com meu amigo Henrique, relembrava meu período de professor de ensino médio.No meu caminho de volta da escola, passava tarde da noite pelas ruas do centro, onde roubos, prostituição, medicância eram o contexto urbano. Mas o pior não era viver ali no presente, pensava eu, como vivem estudantes universitários de classe média oriundos do interior, o pior era ter a perspectiva de viver para sempre ali, visão que os referidos estudantes não têm. Esse era o fato mais desesperador. E essa não é uma questão de escolha. Têm mil possibilidades o futuro dos abastados, os condenados da terra não.
Merece ser estudado mais a fundo, mas algumas pesquisas já apontam como sendo a principal causa da violência nas escolas públicas a negação do futuro. Os alunos ao perceberem que não conseguirão realizar o futuro idealizado (afinal, uma das característaicas da ideologia capitalista, sobretudo na juventude, é nos fazer acreditar que podemos ser o que quisermos, basta querer) se revoltam contra a instituição que não consegue garantir seu futuro. Essa é uma discussão para outro texto, mas numa sociedade pautada pelo mercado, a principal função objetiva da escola é a formação de mão de obra abundante, o que faz com que seu preço (salário) caia e aumente o lucro do capitalista. Ao perceberem que o diploma não é a afirmação do futuro desejado, eles se revoltam, algumas vezes de maneira violenta. Isso explica casos em que a depredação física da escola é feita pelo coletivo dos alunos, algo parecido com o clip da música "Another Brick on the Wall" do Pink Floyd. Não estou justificando a violência juvenil nas escolas, mas ela deve ser compreendida, este é um esforço. A diferença desse tipo de violência com a que acontece em escolas particulares é que nestas existe uma relação de consumo, "pago e, logo, posso". Além do que o estudante de classe média já sente desde cedo as exigências do mercado de trabalho, isso é, do patrão que precisa dessa escassa mão de obra qualificada.
A negação do futuro é, também, um fator que explica a facilidade que o tráfico de drogas tem para arregimentar jovens. Possibilita-se o futuro do traficante, arriscado é verdade, mas respeitado pela comunidade, em contraposição ao trabalhador, que, explorado a vida inteira, não pode participar da sociedade do consumo.
Mas não se enganem, o futuro, como lugar de sociedades possíveis, guarda grandes potencialidades. A transformação das condições materiais de existência é uma delas. Se nos afirmam um futuro miserável, o negaremos, e no lugar desta sociedade afirmaremos uma nova. O futuro é guia do presente.

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