PEDIDO DE AJUDA E A DITADURA MINERAL



Por esses tempos estive relembrando de como foi que, finalmente, compreendi as encruzilhadas problemáticas de minha terra. Não foi um processo espontâneo ou rápido. Foram necessários reflexão crítica e, principalmente, leitura. Meu trabalho de conclusão de curso, empreendido entre 2006 e 2007, refletia as preocupações que me assolavam na época, que eram guiados pela dicotomia ditadura e democracia, tendo como marco de reflexão Cuba. Desde pequeno, me estranhava o contrastante ponto de vista da grande mídia frente às conversas que tinha com meu pai. Me perguntava como pode ser taxado de ditatorial um regime político que tantas conquistas trouxe ao povo cubano, como, por exemplo, o fim da miséria, algo que de tão evidente é chocante na terra brasileira. Ainda na adolescência pedi a ele literatura sobre o assunto, pois andava fascinado com a idéia de unidade latino-americana. Me entregou “As Veias Abertas da América Latina”, de Eduardo Galeano. Foi um tapa na cara a cada página. Termos como “luta de classes”, “exploração”, “subdesenvolvimento” explicavam meu mundo de uma maneira indecente, reveladora, incluindo um capítulo inteiro dedicado ao descobrimento do ouro em Minas Gerais. Me lembro das noites de revolta causadas pela leitura, acompanhadas por “San Vicente” do Clube da Esquina. Certamente, jamais haverá em minha vida outro momento de tamanho esclarecimento como o foram essas noites. Depois vieram “A Ilha”, “Cuba de Fidel”, Bakunin, Guevara, Fidel, Marx, e espero que assim continue. Voltando ao Trabalho de Conclusão de Curso, mesmo que de importância primeira a compreensão do processo cubano, me parecia deveras longe de alguma coisa fundamental, longe de mim mesmo, algo faltava. Mas tudo estava exposto aos meus olhos, como o horizonte que vem depois da serra. Eu não percebia, bastava atenção para que avistasse. Os problemas de Cuba são também os de minha terra, mas havia uma outra luta a qual eu ainda não havia notado. Um câncer que nos consome historicamente: a mineração. Os mineiros, em vários momentos, cruzamos ao longo de nossas vidas com os problemas decorrentes da mineração. Mas é necessário que estejamos de olhos bem abertos para enxergarmos este contexto. Estava tudo tão óbvio e insinuante, como não notei antes?! Foi quando veio o segundo esclarecimento, por meio da Teoria da Dependência. Ela me explicou a fantasmagoria de Ouro Preto e das cidades históricas de Minas, a desigualdade social abismal brasileira, e o subdesenvolvimento da América Latina.
Hoje, sei dos problemas de minha terra. Foi quando entrou em minha vida uma cidade chamada Raposos. A chamo de prólogo de Minas Gerais. Ela é uma síntese do que pode acontecer à região mineradora. Historicamente explorada pela mineração, a mina da região encerrou suas atividades, sobrando para Raposos a pobreza, a memória de tempos insonsos e os pulmões de pedra dos ex-mineradores. O ouro é a desgraça dos locais. Localizada a apenas 50 km de Belo Horizonte! Mas tão perto! Como pude ignorá-la por tanto tempo? Bastava um olhar pra mim mesmo. Mas chega de tempo perdido.
Frente a essas preocupações, junto aos amigos Henrique Napoleão, Bernardo Silvino e Mário Wiederman, tentamos desenvolver um documentário sobre a silicose em Raposos. Serão feitas gravações sobre a mineração na região e entrevistas com os ex-trabalhadores da Mineração Morro Velho, todos, sem exceções, silicóticos (quem não souber o que é essa doença procurar no mestre google). Por mais de um ano viemos tentando realizá-lo. O problema, como sempre, é o financiamento. O documentário é sem fins lucrativos, e seu custo é baixíssimo, algo em torno de 2 mil reais. Mas iniciativas como esse não são difíceis de serem apoiadas, principalmente por seu evidente caráter militante e por não se tratar de uma atividade lucrativa. Mas o tempo coloca sua imperatividade. Conversando com raposenses, soube de que a cada semana se vão alguns de nossos bravos trabalhadores, vitimados pela silicose. E com eles, se vai a história. É necessário registrá-la o quanto antes. Principalmente no atual contexto da região. A Vale quer iniciar a maior mineração à céu aberto do mundo na região de Caetés, o Projeto Apólo, e a represa de rejeitos se localizará no município de Raposos. A História é uma velha traiçoeira. A represa engolirá uma região cheia de mananciais e cachoeiras frequentadas pela população local. Sua manutenção será mantida mesmo após o fim da mineração, pois, afinal, ela ficará pra sempre lá. Seus esparsos benefícios, como o aumento dos impostos, serão momentâneos, e não custearão nem ao menos o aumento da necessidade de serviços públicos como saúde e manutenção de estradas causadas pela população vindoura. Os empregos são pouquíssimos se comparados a outras atividades econômicas, além de serem ocupados, majoritariamente, por mão de obra de outras regiões. Vide o levantamento feito pela própria Vale apresentado na audiência pública de Raposos, disponível na prefeitura da cidade. A ditadura Mineral (leia-se: Vale) é tão descarada que nem se dá a importância de camuflar os malefícios da mineração. Surge, ainda, o risco de um rompimento da barragem, exemplos disso não faltam em Minas Gerais, vejam a seguinte reportagem: http://www.onggasb.com.br/2010/04/o-municipio-de-raposos-mg-e-o-problema.html

Foi feito um abaixo-assinado em Raposos com 5 mil assinaturas, o que é bastante representativo numa cidade de 12 mil habitantes. Isso será o suficiente para impedir a instalação da represa no município? Afinal, vivemos numa democracia, não é? E a democracia não é isso, a vontade do povo, ou da maioria? Não sei se posso ser processado pelo que vou escrever, mas não me importa. Corre na boca do povo, e tenho plena certeza disso, que dos nove vereadores raposenses, cinco receberam “incentivos” da Vale para votar à favor da represa. Ah se tivessemos alguma forma de provar materialmente isso! Aliás, se alguém como podemos provar isso, por favor se manifeste. Me lembro, também, de que o governador Anastasia ligou ele próprio à prefeitura de Raposos para pressioná-la a aceitar os desígnios da Vale. A qualquer momento podem reiniciar a mineração na região, sim, reiniciar, porque sem maiores explicações já haviam começado suas atividades.
Se há uma ditadura em Cuba o que existe por aqui? O que fazemos com um parlamento meramente figurativo que serve para atender os interesses do grande capital? É a Ditadura financeira, do minério, da latifúndio, da soja, da agropecuária...
Por isso tudo, pela necessidade urgente da luta, peço ajuda aos que estão lendo, se souberem de algum grupo ou instituição que possa ajudar na feitura do documentário me informem, será de grande valia!
Ah se esses gases lacrimogêneos nãos nos deixassem tão calmos!

Comentários

Kaciana disse…
Concordo plenamente com você. Vivemos, sim, uma ditadura disfarçada, onde os interesses de uma minoria privilegiada camuflam problemas graves de nossa sociedade, como a falta de boa educação, a marginalidade e a justa distribuição de renda.
Não sei se ajudaria: já tentou os editais de projetos de incentivo à Cultura, para produção do seu documentário? Instituições de fomento à educação como a Unesco? Parabéns pelo blog e iniciativas.
Tádzio Coelho disse…
Muito obrigado pela ajuda! O problema que o financiamento por meio desses editais tem um processo lento, e a gravação do documentário é pra ontem frente aos problemas que se colocam na região. Tentaremos com a própria prefeitura de Raposos e com a OAB-MG. Mas valeu assim mesmo!

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