UM DIA DE REFLEXÕES E DEBATES MINERÁRIOS III




Terça-feira, 24 de agosto, fui ao Congresso Regulação da Mineração no Brasil em Belo Horizonte. Pedi com antecedência à organização para participar do Congresso, mas pedi isenção da taxa de inscrição. Isso porque o preço exorbitante era de uns R$ 1.500, o que ultrapassa por muito os limites do meu pobre bolso de sociólogo. No começo, pensei que era um congresso realizado pelas mineradoras, o que me fez ir preparado para uma batalha. Mas durante o evento, conheci Vinnicius Vieira, um dos organizadores, aliás, quem permitiu a minha entrada gratuita. Ele me explicou que faz parte de uma agência, chamada Viex Americas, que realiza eventos que tenham temáticas atuais e controversas. Agradeço a ele pela hospitalidade e inteligência, mestrando que é, me ensinou várias coisas sobre a nova hegemonia mundial chinesa, tema o qual ele estuda paralelamente em sua maestría. As mesas de palestrantes foram formadas sempre com posições opostas, provocando debates (se é que posso chamar assim), que mostraram que existi gente progressista dedicada ao tema, de um lado, e do outro, a face elitista e demagógica da burguesia mineral. O que contrariou a lógica dos congressos em geral, que são formados por pessoas com posições politicas parecidas. No entanto, ter esse contato direto com os brasileiros de Miami me fez ter ainda mais nojo da elite empresarial brasileira.
Obviamente, o preço da inscrição impossibilita que o público seja composto pelos maiores afetados, as classes baixas das regiões mineradoras. Entre os participantes haviam alguns que eram donos de mineradoras, como o dono da Anglo American. Esclareço que quando escrevo “dono”, estou considerando o nosso aspecto formal jurídico, sem levar em conta que os donos de uma empresa são exatamente aqueles que trabalham nela. Confesso que estar perto dessa elite me faz mal, não porque sejam pessoas ruins em sua essência, a questão não é pessoal. Mas aos meus olhos, representam uma organização social que têm inúmeros efeitos funestos os quais conheço de perto, desde a acumulação de capital até a miséria. É exatamente essa organização social que deve ser suprimida.
Merecem ser destacados dois debates-palestra. O primeiro, na parte da manhã, foi formado, de um lado, por Mauro Sousa, integrante do Ministério de Minas e Energia, representante do Estado portanto, e do outro, por Vítor Feitosa, presidente da FIEMG. Mauro focou as motivações da reforma do Marco Regulatório da Mineração. São, em sua maioria, propostas progressistas, mas que pecam pela falta de deliberação popular. Esse não é um limite específico do setor minerário, mas é característica fundamental do Estado democrático capitalista. Faltam maneiras efetivas da população, por si própria, decidir sobre os caminhos da mineração. Já nosso amigo da FIEMG defendeu, claramente, a perspectiva das grandes mineradoras, alcunhando-lhes o nome de empreendedores, palavrinha estúpida que significa pessoa inovadora, ousada, mas que é retórica vazia empresarial. O que me incomoda não é o fato do sujeito representar o que o Brasil tem de pior, sua burguesia exportadora, mas a relação automática que eles fazem entre desenvolvimento social e mineração. Entendo que ele necessite de mecanismos psicológicos para justificar sua irrelevante existência, mas o que ele faz é mistificar a realidade. A ilusão do desenvolvimento já foi denunciada por inúmeros pensadores (destaco Celso Furtado). O desenvolvimento o é para apenas alguns grupos, e não para a totalidade social, como se quer acreditar. Noto também, nos representantes de mineradoras, uma megalomania mineral, sim, megalomania, pois acham que tudo de bom que a humanidade criou foi causado pela mineração. Segundo o palestrante, o aumento da expectativa média de vida dos brasileiros encontra explicação na mineração. Ora, todos sabemos que a mineração existe há milênios, e que ela não resulta automaticamente em desenvolvimento humano, isso dependerá da forma a qual ela é organizada socialmente. A expectativa de vida aumentou, não só no Brasil mas no mundo inteiro, graças aos avanços da ciência, e, principalmente, pelas conquistas trabalhistas do século XX, como férias, salário mínimo, licença-maternidade, etc, o que incidiu diretamente no desenvolvimento da maioria da população, os trabalhadores. Como Lévi-Strauss disse, quando confrontado com a elite paulista, saudosa de sua “revolução” constitucionalista: “eles não sabem como típicos são”.
A segunda mesa que quero destacar foi formada por Priscila Viana, consultora da AMIG, que têm estudos de grande relevância e valor inestimável aos povos mineiros. E, também, por Edwaldo Almada, vice-presidente da FIEMG. Quero focar minha crítica nesse último. Primeiramente, sujeitinho que chama a ditadura militar de revolução não regula bem ou é mal intencionado, fico com a última explicação. O sujeitinho principiou sua fala (posso chamar assim?) com ironias de baixíssimo calão contra Priscila, insinuando que a mesma havia excedido o tempo de exposição, e “dado sono” na platéia. O que até pode ser verdade, visto o conservadorismo dos expectadores. Depois disse que passaria o número de seu CPF, já que haviam algumas representantes do poder público, temendo uma possível perseguição, coitadinho dele. O sujeitinho também foi acometido pela megalomania mineral, pois para ele tudo de bom nesse mundo foi causado pela mineração. Acusou o Estado atual de totalitário. Logo depois citou um possível “Governo Revolucionário” que existia pelas bandas brasileiras em 1970. Ora, hoje o Estado é totalitário e em 1970 não? A exposição desse mundo fantasioso de pernas pro ar piorou ainda mais. Citou um decreto-lei (decreto-lei é por si só a contradição das contradições pra alguém que é contra o totalitarismo) de 1970, e criticou a constituinte de 1988 por causar “insegurança jurídica”. Sinceramente, eu não sei o porque de existir gente assim (gente?), e pior, ter que ouví-lo, e ainda, perceber a sua riqueza material face a miséria de milhões. O que me pergunto é como, que desde a colônia, suportamos a elite brasileira (ou devo chamar de européia?), aliás, como suportamos qualquer elite?

O Cfem (Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais) pode ser uma das formas de desenvolvimento popular. Ela deve ser uma contribuição vinculada, isso é, seus recursos devem ser destinados aos programas sociais de desenvolvimento, principalmente, local, nos municípios mineradores. Pra tanto, precisamos de organização e de gente dedicada. Só assim conseguiremos acabar com a miséria característica dos municípios mineradores de Minas Gerais. O campo de ação é limitado, a desigualdade e alguns níveis de pobreza persistirão, mas mesmo assim precisamos ocupá-lo.
Enfim, foi de grande valia o congresso. Percebi que a atual Democracia, no Capitalismo, é o regime político no qual a elite decide o que é melhor para o povo. Enquanto existir a divisão de classes será assim. Obviamente, é preferível a uma ditadura, mas para mim fica claro a necessidade de aprofundarmos essa Democracia. Também é evidente, que nossa elite não ficará olhando de braços cruzados. Dia após dia, se utilizam de seu poder econômico para manipular a opinião pública e estabelecer a hegemonia burguesa por pequenas concessões ao povo. Pois então devemos agudizar ao máximo a democracia, o que só poderá ser feito pelas massas.

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