O TEATRO DOS VAMPIROS




Gostaria de começar este texto ressaltando a importância estratégica do objeto de minha crítica. Os meios legais que temos em nosso sistema político representativo – principamente aqueles que fazem valer os interesses populares - não são irrelevantes. Já são favas contadas que precisamos ocupar todos os espaços políticos disponíveis, obstacularizando, assim, a consecução de demandas que prejudiquem os mais pobres. Largar mão de ocupar estes espaços por não representarem uma ampla transformação social não passa de um ato infantil do esquerdismo. Frisado isso, podemos começar a elucubrar sobre as audiências públicas.
Dia 29 de abril, foi realizado uma audiência pública na ALMG organizada pela comissão de direitos humanos, que pretendia tratar do assunto “Mineração e seus impactos sociais”. Por ocasião do casamento de meu amigo Peagá, encontrava-me em Belo Horizonte e pude participar da tal audiência. Simultaneamente vinha sendo realizado o Encontro Mineiro de Movimentos Sociais, incluindo a pressão dos movimentos sociais sobre as várias audiências que vinham sendo realizados durante a semana, inclusive o MST acampou em frente à Assembléia. Ao fundo, ouvia-se o ecoar dos tambores do MST.
Como pesquisador da área da mineração foi de grande proveito o evento. Vários movimentos sociais estavam presentes e mostrou-se o conflito de classes em Minas Gerais. Visto a relativa importância dessa audiência pública, a bancada mineradora tentou impedir a realização da audiência, mas com os esforços do deputado Durval Ângelo pudemos mostrar nossos descontentamentos.
Depois da exposição dos palestrantes abriu-se espaço para a fala do público, sendo uma espécie de canal por meio do qual a população atingida pela atividade mineradora comunica aos seus representantes os seus infortúnios e angústias. Formalmente, é dessa forma que funciona o sistema representativo, delega-se a outrém o poder de decisão política, onde, supostamente, somos representados.
O filósofo alemão, Herbert Marcuse, nomeou como “tolerância repressiva” o processo no qual tolera-se a exposição das demandas dos dominados, no entanto, sem a resolução de seus problemas, isso é, garante-se ao dominado o espaço para expôr suas demandas sem garantia de que sejam atendidas. Falar sobre os problemas é diferente de resolvê-los. E algo parecido se passa nas audiências públicas. À medida que iam surgindo as denúncias, o deputado coordenador da audiência dizia que já havia sido feita uma audiência à respeito, como se a mera exposição do problema fosse suficiente por si só. Desse modo abranda a revolta dos dominados, colaborando com a manutenção da ordem, no caso, mineradora.
Encena-se a democracia, o que, infelizmente, reverbera seus raios teatrais em uma realidade funesta. As denúncias foram novidade até para mim, que há bons tempos lido com o problema da atividade mineradora. Casos de assassinatos (com a contratação de jagunços), pressões, ameaças entoadas contra a população mineira, geralmente pobre, que está à mercê da sanha expansionista das grandes mineradoras que, por sua vez, são motivadas pela alta dos preços das commodities. São denúncias de ameaças de morte em Paracatu, nas comunidades quilombolas em Conceição do Mato Dentro, da Vale em Brumadinho, da utilização de cianureto na exploração aurífera próxima a um reservatório de água de Belo Horizonte, e em Sepetiba foi preciso ser acionado o serviço de proteção às testemunhas.
Esse é um caminho sem volta, precisamos bater de frente com tais interesses minerais (fazendo referência à sua letargia e petrificação no atraso)! Se as classes dominadas não se moverem ninguém mais o fará por elas. As audiências mostram seu caráter tolerante repressivo e devemos nos mover. Os movimentos sociais anti-extrativismo crescem a cada dia na América Latina. O povo mineiro não deve ser um joguete dos lucros bilionários de uma meia dúzia de “homens”. Denunciemos o caráter desse desenvolvimento que podemos chamar de “frustrado”, concentra a renda e relega à miséria milhões. Até quando seremos reféns do minério?

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