O DESENVOLVIMENTO FRUSTRADO
Lançado no dia 18 de outubro, o Índice Mineiro de Responsabilidade Social (IMRS) recebeu amplo destaque nos meios de comunicação de Minas Gerais. O IMRS é uma avaliação na qual são submetidos os municípios mineiros segundo a qualidade e quantidade de suas políticas públicas. Em matéria do dia 19/10/11, o Estado de Minas mostra o ranking dos municípios mineiros na pesquisa dando ênfase para o fato de que, dos 10 municípios melhores colocados no ranking, 8 têm na mineração uma de suas principais atividades econômicas, o que supostamente mostra “uma rota de riquezas minerais que fortalece economias e garante bem-estar para quem por ali escolher viver” . Por outro lado, os 10 piores são municípios do Vale do Jequitinhonha. A pesquisa foi realizada tendo como base 500 indicadores (dimensão grandiosa que não dá automaticamente validade à pesquisa) em 10 segmentos, como saúde, segurança, cultura, etc. Poderia muito bem entrar numa discussão sobre os métodos da pesquisa que levam em conta essa miríade de indicadores que num pequeno erro podem desvirtuar o resto da pesquisa, mas partirei do pressuposto que sim, a mineração garante maiores receitas para investimentos públicos por parte do município.
A primeira coisa que podemos dizer é que essa constatação acima é óbvia. Ora, se temos uma atividade econômica com grande produção de capital, e existem formas de arrecadação pública sobre essa atividade, consequentemente, ela incidirá positivamente no caixa das prefeituras locais, o que por sua vez garante um espaço maior de ação para políticas que vão atender melhor as necessidade e demandas da população local. Mas a reflexão não deve se deter aí, pois o que realmente importa nesse quadro quantitativo é a interpretação que fazemos dele, e sem essa reflexão mais profunda podemos nos enganar, a pesquisa pode ser mal utilizada.
Então é importante entender que a mineração produz grandes divisas. É só analisar os lucros das mineradoras – por exemplo, a Vale lucrou em 2010 R$ 30,1 bilhões. Porém, é esse o perigo do raciocínio automático, que simplesmente legitima a atividade mineradora pela grandeza da riqueza criada. Tendo em vista os lucros bilionários, a região torna-se dependente da mineração numa espécie de ciclo vicioso que tem data marcada para acabar, isso é, quando findarem as minas. Já aconteceu e vem acontecendo em várias regiões de Minas Gerais. Mas pra além dessa dependência, temos que ter em mente a potencialidade não-atingida pela mineração, uma espécie de potencialidade frustrada, ou, como prefiro chamar, desenvolvimento frustrado. Sim, porque a mineração pode servir de trampolim para atingirmos outros tipos de atividades com menores prejuízos socioambientais e com benefícios sociais e econômicos muito maiores. O fato é que a mineração cria pouquíssimos empregos diretos – que são em sua maioria de mão de obra altamente especializada -, que mesmo com o efeito multiplicador - empregos indiretos - têm número inferior se comparado ao de outras atividades econômicas. Ainda, podemos listar uma série de prejuízos causados pela mineração que não são considerados no IMRS 2011, o que invalida a afirmação ideológica de que se trata de “uma rota de riquezas minerais que fortalece economias e garante bem-estar para quem por ali escolher viver”: a contaminação, destruição e assoreamento de rios e reservatórios de água; as renúncias fiscais na água, energia e no imposto de circulação de mercadorias; os gastos com a criação e manutenção de infra-estrutura de transportes (tanto em estradas como em minério-dutos e ferrovias); a construção e manutenção de represas de rejeitos; destruição de formas de produção tradicionais; a sobrecarga do sistema de saúde local; o aumento da violência urbana; os gastos com o crescimento populacional repentino; a instabilidade nos preços do minério de ferro no mercado internacional; a concentração de renda e a desigualdade social; a renúncia ao incentivo de outras atividades econômicas que poderiam significar um desenvolvimento real da região; os constantes “acidentes” de trabalho; a superexploração do trabalho (com efeitos drakonianos como a silicose); a limitada oferta de postos de trabalho. Isso tudo justifica o incentivo a outros tipos de atividades econômicas. O aumento do Cfem – que não é um imposto, e sim uma compensação ao município pelos danos causados pela mineração - é fundamental para arrecadação de fundos. Essa compensação é por demais reduzida. No caso do minério de ferro, são 2% descontados no lucro líquido das mineradoras. No Canadá e Austrália, países “vivem” de mineração, o royaltie chega a 18% do lucro bruto. Em conluio com as mineradoras, Aécio Neves lançou um vergonhoso projeto com apenas 5% descontados do lucro líquido, uma hábil manobra política tendo em vista a perspectiva ainda maior de alta no royaltie do minério causado pelos paralelos debates do royaltie do petróleo. Junto a isso, devem haver mecanismos legais de incentivo a mais avançadas formas de produção, com um planejamento de médio e longo prazo.
O perigo dessa pesquisa está no tipo de interpretação que realizamos ao lê-la. Como qualquer pesquisa quantitativa, o que importa é a interpretação dos números. Por isso, essa pesquisa pode ser mal manuseada e servir de legitimadora para a manutenção da mineração. Mas também podemos entendê-la como mera constatação do óbvio, o crescimento dos recursos das prefeituras podem influenciar na melhoria das políticas públicas. Porém, ainda é pouco, muito pouco perto da potencialidade da renda criada. Quase tudo fica para as mineradoras, e para população local restam algumas migalhas da gigantesca acumulação de capital dessa atividade. O que essa pesquisa não mostra é o nosso desenvolvimento frustrado.
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