O que gerou a Copa das Manifestações?


 Copa das manifestações, Copa das Ruas, Revolta dos 20 centavos, “o gigante acordou”, “vem pra rua” são alguns dos bordões e nomenclaturas utilizados para caracterizar a série de manifestações que rondou o país desde o início da Copa das Confederações. Gostaria de esboçar, sem grandes ambições, aquelas que parecem ser as principais causas geradoras das manifestações. O texto tem como base minha experiência e percepção das manifestações, além de debates e textos decorrentes delas. Destaco que tratarei apenas dos acontecimentos de junho de 2013, assim excluo deste texto os desdobramentos mais recentes.

Causas:

Na tentativa de melhor traçar as causas do movimento, gostaria primeiramente de mostrar o que não são as suas causas. A pauta mais tradicional para protestos no país sempre foi a das questões trabalhistas, como, por exemplo, o reajuste salarial, a diminuição da jornada de trabalho e o combate ao desemprego. Com uma rápida mirada na taxa de desemprego, que era de 5,8% em maio de 2013(IBGE), podemos perceber que se trata de uma taxa historicamente pequena.





            Mesmo que tenha crescido em relação a dezembro de 2012 (4,6%), está muito abaixo de países como Portugal (16,8%), França (10,8%), Espanha (27,16%), EUA (7,6%) e Alemanha (6,9%). O Banco Central lançou nota prevendo para o fim de 2013 crescimento econômico de 2,7% e inflação de 6% (IPCA), sendo que em 2012 a inflação fechou a 5,84%, nada muito distinto do que vem acontecendo no país nos últimos anos. Mesmo que a economia nacional enfrente uma situação de desaceleração, principalmente no setor industrial, não existem elementos que validem a tese de ser essa a causa dos protestos.
Minha hipótese é de que dois acontecimentos pontuais e três elementos estruturais foram decisivos para a explosão de protestos. O primeiro acontecimento pontual tem a ver com a atuação do Movimento pelo Passe Livre (MPL) que anualmente e persistentemente organiza protestos quando do reajuste dos preços no transporte público. O MPL tem pauta bem definida que é a redução dos preços do transporte público e a conquista do passe-livre. Após a brutal repressão da PM paulistana ao ato do dia 06 de junho, as manifestações do MPL ascenderam para um movimento de massas. Obviamente que para isso acontecer, colaboraram outros elementos que discutiremos ao longo do texto. Dessa forma, a meu ver, a primeira causa das manifestações de junho foi:

1)      a  dura repressão da PM ao MPL no protesto de São Paulo, 06 de junho, movimento esse que mantém atuação periódica e organizada.

O segundo fator que serviu de estopim para as manifestações foi simplesmente o início da Copa das Confederações. Com o evento há uma maior atenção da imprensa mundial ao que acontece no país. Outro fator ligado ao início da competição é o evidente contraste entre estádios faraônicos e estruturas subdesenvolvidas de habitação, saúde e educação. Há um sentimento difuso e confuso de revolta contra um suposto gasto descabido do dinheiro público em obras da Copa do Mundo - lembrando que há uma diferença técnica entre gastos com a Copa (que não saem do orçamento anual da União) e gastos com infraestrutura. Aos olhos da população, a Copa das Confederações provou que não faltam recursos para resolver os graves problemas nos serviços públicos. Tal compreensão ignora que a dívida pública vem crescentemente limitando o orçamento público e o fato de que os estádios foram construídos por meio de financiamento do BNDES, com fundos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e do tesouro nacional que serão pagos pela iniciativa privada, isso é, com uma dinâmica econômica diferente da utilizada nos serviços públicos. Tais fatos não importam para a nossa explicação, pois não são levados em conta pela multidão que se revolta contra a imagem contrastante do estádio faraônico frente aos hospitais e escolas sucateados. Então a segunda causa é:

2) o contraste entre os estádios de futebol e as estruturas subdesenvolvidas que os rodeiam.

São três os fatores estruturais determinantes para a explosão das manifestações. O primeiro é a insatisfação com as instituições políticas, com os partidos e com seus integrantes, isso é, uma crise de representação política. Os manifestantes rejeitam o modo tradicional de se fazer política. A revolta não é voltada apenas contra um partido específico, mas contra todos os partidos, algo que ficava evidente em inúmeras faixas dos protestos. Então podemos colocar que a terceira causa das manifestações é:

I) a insatisfação geral contra a representação política tradicional.

A geração de pessoas envolvidas nos protestos é filha da redemocratização e aprendeu nas escolas que é correto protestar, porém, devido a sua confusão política, tem dificuldades para enxergar pautas defensáveis e momentos plausíveis para o protesto, e num momento de irrupção social nervosa foi para as ruas potencializando as manifestações, e fez isso sem compreender a estrutura básica dos conflitos políticos, as forças que se movem nesse campo e os interesses envolvidos. Assim, de maneira amorfa e espontânea "colocou o seu bloco na rua" e nesse ato manifestou também a sua própria incompreensão. Porém, é errado enxergar nessa maioria qualquer tipo de extremismo. São moderados tanto à esquerda, quanto à direita. Havia então uma espécie de demanda reprimida por manifestações. Isso causado pela incompreensão da maioria das pessoas, afinal, não faltam demandas justas e necessárias. Assim o segundo elemento estrutural gerador das manifestações é:

II) demanda reprimida por manifestações, consequência da incompreensão política da geração pós-redemocratização. 

E a última causa estrutural é a percepção generalizada de que a corrupção é endêmica e impede o pleno desenvolvimento país. Essa percepção foi fortemente incentivada pela mídia durante a última década levando as massas a concluírem que todos os políticos são corruptos. Assim, a quinta causa é:

III) a percepção geral e confusa de que a corrupção atinge todos os representantes políticos e os setores de Estado. As pessoas se elevam contra a corrupção que supostamente assola o país.

Para finalizar, quero ressaltar que há uma evidente disputa entre grupos que tentam atrair a massa despolitizada para seus temas. Por se tratar de um momento de politização, a esquerda pode sair ganhando e atrair novos militantes para suas causas. Isso dependerá em grande parte da atuação e sensatez dos atuais militantes de esquerda que devem enxergar a potencialidade que guardam as manifestações de junho. Muitas das pessoas que saíram às ruas em junho buscam caminhos para a resolução de problemas sociais e é nesse momento que a esquerda deve apresentar suas bandeiras de justiça social. O momento é de disputa ideológica.

Comentários

Unknown disse…
Muito bom o texto.

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