O LEILÃO DO CAMPO DE LIBRA E ALGUMAS QUESTÕES PENDENTES
Foi realizado na segunda-feira (21/11) o leilão do Campo de Libra. Houve proposta de um consórcio, composto por Petrobrás (10% + 30%), Shell (20%), Total (20%), das chinesas CNPC (10%) e CNOOC (10%). Algumas observações importantes devem ser feitas sobre o leilão do maior reservatório encontrado até então na região do pré-sal. Tentarei fazer isso com cuidado para não cair em críticas simplistas.
Segundo cálculos do governo, 75% da renda gerada será do Estado. Dentro disso estão contabilizadas uma série de fontes de renda. Os 5% dos 15% dos royalties, a parte que cabe à União, será investido em educação e saúde, e os 41,65% do óleo cedido pelo consórcio à União serão direcionados, metade, também para saúde e educação, e a outra metade par um Fundo Social. Há ainda 18% de imposto.
A Petrobrás, que tem 40% do consórcio, é uma empresa de capital misto, mas que tem a União como principal acionista votante. Por meio do regime de partilha, a União recebeu o bônus de assinatura de R$ 15 bilhões e 41,65% da produção será de sua propriedade. Recebe ainda por meio de imposto de renda algo entre 15% a 25% da renda. O regime de concessão, promulgado no governo FHC através da lei 9.478, de 6 de agosto de 1997, é infinitamente pior para os interesses nacionais, pois a única arrecadação é por meio de impostos e royalties, o que não encadeia necessariamente novos circuitos econômicos no país produtor, como pode acontecer com o regime de partilha. Sobre isso não há dúvida e são essas as vantagens do regime de partilha.
Porém podemos dizer que a percentagem de 15% para os royalties é pequena – em alguns países chega a 50%. Ainda, a parte que será destinada para a educação e saúde é a destinada para a União, que são 5% dos 15%. O resto será dividido entre município produtor e estado e não será necessariamente direcionado a esses setores.
Com a participação de 40% de multinacionais privadas, Shell e Total, aumenta a capacidade de pressão política do capital externo. A Shell conhecidamente tem um longo histórico de envolvimento com golpes de Estado, guerras civis, assassinatos e sabotagens.
A principal perda está na perda de cerca de ¼ da produção e da renda do petróleo que, estes sim, foram leiloados. A injustiça está no fato de que os custos de décadas de pesquisa e tecnologia para a exploração e explotação de petróleo em mares profundos foram arcados pela própria Petrobrás e com grande parte de recursos públicos. Tendo a União gasto ao longo de décadas recursos públicos com o objetivo bem sucedido de explorar petróleo em águas profundas, nada mais justo que a produção de petróleo da camada pré-sal fosse de propriedade da Petrobrás, assim como todas as benesses conseguidas nesse processo deveriam ser direcionadas para melhorar as condições de vida da população, por meio principalmente da redistribuição de renda.
Também chama atenção a utilização do exército, da Força Nacional para a realização do leilão, junto à atuação no mínimo truculenta na repressão aos manifestantes, basicamente trabalhadores petroleiros organizados por sindicatos.
Pior ainda, o óleo encontrado no Campo de Libra é o mais procurado pelo setor do petróleo. Quanto maior a densidade do óleo, maior será a percentagem do teor de enxofre. O óleo leve tem um teor menor de enxofre e menor será também a concentração de resinas e asfaltenos, o que resultará numa percentagem maior de refino de combustíveis e outros compostos com maior valor agregado.
O leilão tem sentido para o governo por reverter o déficit na balança comercial desse ano e, dessa forma, equilibrar as transações correntes. É uma manobra fiscal que renuncia aproximadamente 25% da renda e da produção de pelo menos 35 anos de explotação do petróleo em nome de um equilíbrio de curto prazo. Outra justificativa, bastante questionável, é de que não haveria formas de financiar essa explotação no momento. Ora, é bem razoável pensar que com uma reserva de 8 a 12 bilhões barris de petróleo seria possível conseguir linhas de financiamento.
Minha opinião é de que o pré-sal não foi entregue, ou privatizado, como alguns dizem, mas principalmente não foi escolhida a melhor forma de incentivar o desenvolvimento autônomo e popular. Por fim, não há nada até agora na dinâmica do pré-sal que nos leve a crer que haverá esse desenvolvimento autônomo e popular.
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