O Ouro e o Estéril na Zona do Ouro Maranhense
O
autor vem realizando pesquisa em Godofredo Viana acerca da mineração de ouro em
Aurizona, que é parte de suas funções como pesquisador do Centro Ignácio Rangel
de Estudos do Desenvolvimento, centro de pesquisas da Fundação de Amparo à
Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão (FAPEMA).
Godofredo Viana é um município maranhense localizado
próximo à divisa com o estado do Pará. Com população de 10 mil habitantes,
Godofredo Viana detém depósitos auríferos que são explorados por meio do
garimpo pelo menos desde o século XIX, principalmente na comunidade de
Aurizona, que significa “zona do ouro”. Ao longo do tempo, muitas foram as
tentativas de instalar uma mina de ouro em Aurizona, inclusive por exploradores
ingleses que buscavam reservas de ouro na região. Entretanto, o garimpo
prevaleceu até 2007, quando a empresa canadense Luna Gold conseguiu licença para instalar infraestrutura de
exploração no depósito aurífero de Piaba. O Projeto Aurizona entrou em operação
no ano de 2010. Desde então, a Luna Gold
passou por fusão, transformando-se em Trek
Mining, que passou por nova fusão, em 2017, formando a Equinox Gold Corp, atual proprietária do Projeto Aurizona. O
Projeto Aurizona passa no momento por expansão, que deve ser finalizada em
2019.
As empresas citadas fazem parte do grupo de
mineradoras conhecidas como Juniors. As Juniors são pequenas e médias empresas
mineradoras, em sua maioria de origem canadense, que se concentram na extração
de ouro e detém como fonte de financiamento operações na bolsa de valores de
Toronto.
Ao lado da mina de Aurizona está a comunidade de
Aurizona, com uma população de 4 mil habitantes. Boa parte da população de
Aurizona detêm conhecimentos técnicos acerca do garimpo, conhecimento repassado
por gerações. O lago do cachimbo, localizado nas mediações de Aurizona, é
resultado de anos de garimpagem que aprofundaram continuamente a cava até
atingir o lençol freático, fazendo com que o declive da cava se tornasse um
lago. Ainda existem vários locais de garimpo na região. Como se sabe, o garimpo
ilegal é uma atividade notoriamente impactante ao meio ambiente e conflituosa. Mesmo
assim, a Cooperativa dos Garimpeiros de Aurizona (COOPEGARMA) se encontra sem a
permissão para lavra garimpeira. Moradores de Aurizona reclamam da morosidade
do processo de requerimento da pemissão. Este é um dos entraves decisivos na
economia local que impossibilita a regulação da atividade garimpeira e a diversificação
produtiva local.
Através de pesquisa de campo, que vem sendo realizada
ao longo de 2018, foi possível constatar possíveis danos causados pelo Projeto
Aurizona. No posto de saúde de Godofredo Viana, constatei que são muitos os
trabalhadores da mina e moradores de Aurizona com problemas respiratórios e
dermatites alérgicas, o que pode indicar algum problema causado pela poeira
gerada pelo empreendimento. Em visita à comunidade, verifiquei que existem
pilhas de estéril[1]
próximas à comunidade (mesmo que dentro da área de mina), o que possibilitaria
a propagação da poeira pelo vento. Ainda, o hospital de Godofredo Viana está
paralisado.
Outro problema é a poluição sonora e a vibração
causadas por explosões na área de mina. A população receia que a infraestrutura
das construções esteja sendo abalada pela vibração. Além disso, um dos efeitos
possíveis são doenças causadas pelo ruído constante. Por causa desses efeitos
gerados pelo Projeto Aurizona, ocorreram diversos bloqueios da estrada de acesso
à mina. Por último, vale citar que uma reclamação frequente é de que poucos
postos de trabalho do Projeto Aurizona são destinados à população local.
Portanto, baseado na pesquisa que venho desenvolvendo na
região, é possível apontar algumas questões, que devem ser aprofundadas na
própria pesquisa: a comunidade pouco ou nada influencia nas decisões de como
serão aplicados os recursos arrecadados pelo poder público junto ao projeto
minerador, assim como são escassas as possibilidades de fiscalizar o uso desse
recurso; a fiscalização e o monitoramento da infraestrutura de mineração e
beneficiamento fica quase exclusivamente a cargo da própria empresa, como ficou
demonstrado com o recente deslocamento de material estéril que bloqueou a
estrada de acesso à comunidade; os postos de trabalho destinados à população
local são os de manutenção, construção e limpeza, sendo os empregos com menor
exigência técnica e piores salários; atividades econômicas alternativas não têm
sido estimuladas pelo poder público, apesar das várias potencialidades; o
Projeto Aurizona funciona dentro de um processo decisório com baixa
transparência e que deixa os poderes municipais e a população local à margens;
apesar de se tratar de uma empresa de médio porte, os efeitos e as condições do
empreendimento se assemelham aos projetos das grandes empresas do setor.
Por todos os elementos levantados, mesmo que sejam fruto
de uma análise inicial, pode-se notar a formação de um panorama de
minério-dependência, contexto no qual as violações são mais facilmente aceitas pela
população, em parte, porque se trata da principal atividade econômica regional.
Já as alternativas econômicas são sistematicamente desestimuladas ou mesmo
impedidas de florescer. Ainda, o processo deliberativo toma como centrais os
interesses da empresa, e as demandas locais, principalmente da comunidade de
Aurizona, ficam às margens, se beneficiando de pequenas concessões feitas pela
empresa, o que acaba favorecendo a legitimação social do projeto minerador.
Esta e outras questões serão aprofundadas no decorrer da pesquisa.
[1]
O estéril é o material separado do minério que é descartado diretamente da
operação de lavra, sem passar pelo processo de beneficiamento. Portanto, se
trata de material não processado e as pilhas de estéril são uma das formas de
depositar este material.
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