Mineração de Mariana a Brumadinho
“Se os olhos reaprendessem a chorar seria um
segundo dilúvio” diz Drummond no poema Sobrevivente. Três anos e dois meses
após Mariana, o povo de Minas Gerais passa por outra calamidade causada pelo
rompimento de barragem de mineração, novamente pertencente à Vale S.A.
Infelizmente, tragédia previsível e anunciada.
A Barragem I pertence ao Complexo Minerador
Paraopeba, propriedade da Vale S.A. desde 2003 e localiza-se na Mina Córrego do
Feijão, no Município de Brumadinho, onde se extrai o minério de ferro. Foram
realizados ao menos dez alteamentos pelo método para montante, o mais barato e
arriscado, e a barragem não recebia rejeitos desde 2015. À jusante da Barragem
I estavam o escritório administrativo, o laboratório e o refeitório da mina. O
rejeito atingiu também imediatamente a comunidade Vila Ferteco.
É possível dizer que o rompimento da Barragem I
é efeito sistêmico de um tipo de organização da mineração no país, e não um
efeito isolado. Durante o período que separa Mariana de Brumadinho, diversas
organizações se mantiveram mobilizadas e em luta para transformar a maneira que
é organizada a mineração no Brasil. Por outro lado, os setores favoráveis à
mineração predatória conseguiram não só manter a estrutura violadora como
aprofundaram várias das características deste modelo.
A dinâmica acelerada dos processos de
licenciamento é uma das características desse modelo minerador. A mina em
questão teve expansão aprovada em dezembro de 2018 mediante processo de
licenciamento no qual tramitaram concomitantemente as licenças prévia, de
instalação e de operação, seguindo as demandas do setor minerador de agilizar o
processo.
A representação excessiva dos órgãos patronais
em centros deliberativos, tais como a Câmara de Atividades Minerárias do
Conselho Estadual de Política Ambiental (CMI/COPAM), fica evidente no
licenciamento da expansão da mina do Córrego do Feijão. Na 37ª reunião,
realizada em 11 de dezembro de 2018, a única entidade que votou contra o rebaixamento do risco da barragem Córrego do Feijão - o que descartou a necessidade de licenciamento trifásico (LP, LI e LO) - foi a FONASC-BH. As outras entidades que fazem parte do que
seria a sociedade civil votaram a favor e são conhecidamente representantes do
setor minerador, tais como o Sindiextra e o IBRAM. As entidades governamentais
que compunham a CMI também se posicionaram a favor das mineradoras. IBAMA e CEFET
se abstiveram da votação.
Apesar da existência de alternativas
tecnológicas de beneficiamento e separação do minério sem necessidade de
barragem, sistematicamente as grandes mineradoras, principalmente em países
periféricos, optam por tecnologias que envolvem maior probabilidade de falhas,
assim como maiores volumes de rejeitos, e são menos custosas. Esta opção ainda
justifica-se pelo falho sistema de monitoramento e fiscalização, as punições
brandas e o tendencioso processo de licenciamento no Brasil. No caso da
Barragem I, fica evidente a possibilidade de continuidade da insegurança das
barragens por longos períodos, mesmo após sua paralisação.
A realização de auditorias externas da Barragem
I, feitas inclusive por empresas estrangeiras, a pedido da Vale, mostram-se
ineficazes e comprovam o flagrante conflito de interesses e enviesamento desse
suposto mecanismo fiscalizador. Numa relação em que a contratada produz dados
de acordo com as demandas da contratante, a fiscalização se torna maleável aos
interesses da empresa.
O deficiente monitoramento das barragens de
rejeito de mineração é agravado pelo sucateamento progressivo do antigo DNPM,
atual ANM. Dificilmente esse processo será revertido tendo em vista a aplicação
da PEC 241/55, a chamada “PEC dos Gastos”, que congela os investimentos do
governo federal e pressiona para a diminuição de recursos destinados à ANM.
Ainda, vale ressaltar que a maior parte do monitoramento das barragens cabe ao
próprio proprietário, fazendo com que a empresa produza dados sobre a própria
barragem.
Como disse, o modelo de mineração que causou o
rompimento da barragem de Fundão foi mantido e aprofundado. O rompimento em
Brumadinho é triste constatação. As experiências desses três anos, desde
Mariana, me carregam de pessimismo. A treva mais estrita já pousou sobre a
estrada de Minas?
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