A DIALÉTICA DA MONTANHA


"Sueño con serpientes, con serpientes de mar
Con cierto mar, ay, de serpientes sueño yo
Largas, transparentes, y en sus barrigas llevan
Lo que puedam arrebatarle al amor
Oh, la mato y aparece una mayor
Oh, con mucho más infierno en digestión
Esta afin me enguye, y mientras por su esofago
Paseo, voy pensando en qué vendrá
Pero se destruye cuando llego a su estomago
Y planteo con un verso una verdad
Oh, la mato y aparece una mayor..."
(Silvio Rodriguez)
música cantada por Milton Nascimento e Mercedes Sosa

Esse texto, diferentemente do primeiro do blog, tem uma linguagem muito mais simbólica e abstrata, o que não quer dizer que se refira a coisas menos concretas e desimportantes.
O título pode causar estranhamento, principalmente àqueles já introduzidos ao método dialético, afinal como aplicá-lo a um elemento natural? Primeiro penso ser necessário uma breve - perigosa por ser superficial, mas necessária - explicação sobre o método dialético. Devo especificar a dialética em foco, que é a marxista, já que a história da dialética é longa e com vários expositores. Basicamente a dialética trata da relação entre dois processos contraditórios, uma afirmação que se choca a uma negação, levando a uma nova afirmação. Assim nossa sociedade carrega em sua essência contradições que, potencialmente, podem levar a novas formas de organização social. Esse é o aspecto da dialética que desejo ressaltar, a contradição.
O trabalho, entendido pelo método dialético, ao mesmo tempo que traz a possibilidade do homem produzir sua vivência dominando a natureza, faz com que o homem domine o homem. Isso causado pela divisão do trabalho e pela propriedade privada. No caso dos países periféricos há um agravante, a exploração do trabalho se torna superexploração.
A dialética da montanha diz respeito ao aspecto contraditório que envolve a atividade mineradora desde tempos coloniais. De um lado, a montanha oferece ferro, metais, tesouros de valor incalculável, é a base para o desenvolvimento de vários tipos de tecnologias. Por outro lado, a montanha é devoradora de homens e de sonhos. Ao longo da história são inúmeros os casos de mortes de mineradores em trabalho, além do que prejudica social e ambientalmente as regiões mineradoras. Uso a montanha como símbolo de uma série de contradições que envolvem o modo de produção capitalista, especificamente, na mineração. Ao mesmo tempo que a mineração provê materiais essenciais para o desenvolvimento humano, ela também é objeto e sujeito de três diferentes tipos de exploração: do homem sobre o homem; do homem sobre a natureza; e ainda, da natureza sobre o homem.
No primeiro caso, homens são encontrados no mercado como mercadoria, vendem sua mão-de-obra para em troca receberem o soldo que reproduzirá suas existências, esses serão instrumento das classes altas para dilapidar a montanha. São homens que, empenhados pela busca da sobrevivência, se embrenham nas veias da montanha, trabalho explicitamente perigoso, famoso pelos “acidentes” desde os tempos de Vila Rica. Os buracos e fossos da montanha se alimentam de carne humana, a silicose- doença mortal e irreversível, provocada pela poeira do minério que resulta das explosões nas minas de ouro- é um dos males mais comuns nos trabalhadores do setor. Em vários tipos de mineração, inclusive a aurífera, o trabalhador nem sequer consegue ver o objeto de seu trabalho, pois apenas após um extenso processo de seleção se separa o minério dos demais componentes. Um exemplar histórico de montanha devoradora de homens é Potosí, localizada na Bolívia, alimentou o império inglês, que por meio da Espanha se beneficiava das riquezas de um montanha de prata, tudo baseado em trabalho e vidas indígenas. Ainda hoje são comuns os casos de morte na referida montanha. Existe ainda a superexploração, conceito criado pelo cientista social Ruy Maruro Marini, que diz respeito a uma super extração de mais valia, visto que os lucros não serão apropriados apenas pela burguesia nacional (como acontece nos países centrais), mas também por uma classe estrangeira (quando se trata de países periféricos), diminuindo ainda mais os salários e o padrão de vida das classes trabalhadoras dos países periféricos, aumentando-se a taxa de mais-valia.
O segundo tipo de exploração, do homem sobre a natureza, é caracterizado como uma das atividades mais predatórias existentes. Os prejuízos ambientais que a mineração causa são por todos conhecidos. Para se retirar pequenas medidas de minério é necessário remover toneladas de rocha. Na mina indonésia de Batu Hijau, a extração de um único grama de ouro – quantidade usada em um único anel de casamento – exige a remoção de mais de 8 toneladas de rocha e minério. Recentemente, o rompimento da represa de dejetos da mineradora Rio Pomba, localizada a 335 km a sudeste de Belo Horizonte, poluiu rios, causou problemas de saúde na população mais pobre em várias cidades, inclusive no estado do Rio de Janeiro. São inúmeros os casos de abuso ambiental, poderia escrever um livro apenas citando as arbitrariedades cometidas pelas mineradoras.
O último tipo de exploração é, com certeza, o mais estranho. É o poder que a montanha exerce sobre o homem. Este, inebriado pela fome de riqueza, arrisca-se na infeliz tarefa de dominar a montanha. O mito do Eldorado representa bem essa relação. Em busca de uma cidade de ouro maciço, muitos homens desperdiçaram suas vidas, realizando jornadas pelos rincões da América do Sul, em busca de um paraíso que não existe. Tal lenda resultou na extinção de vários povos nativos, como os muíscas na Colômbia, que eram apontados como os proprietários da cidade dourada. O ouro desde muito tempo faz suas vítimas.
A montanha simboliza contradições do capitalismo, a exploração do homens sobre o homem, processo que alimenta a lógica do capital, essa é a fome da montanha, fome de mercadorias, que têm seu valor dado pela classe social e região onde vivem. Logo são instrumentos – não unicamente, mas principalmente – do desenvolvimento de terras longínquas, do centro do capitalismo, enquanto as burguesias nacionais dessas regiões se alimentam com as migalhas que caem do banquete dos países ricos.

Comentários

Pedrão Gostoso disse…
Muito bem escrito o texto. Porém não pude deixar de reparar que o texto possui algo subjetivo nele, a raiva de trabalhar.
Não acho certo ficar fazendo apologia ao ócio, a malandragem e a preguiça.
Acho importante o trabalho, e digo mais, o trabalho serve para a formação do caráter, e consequentemente, a formação de uma sociedade melhor.
Exatamente por essa apologia ao ócio, a preguiça e a malandragem que o socialismo e o pseudocomunismo não deram certo.
E VIVA O TRABALHO!
E PULA NELES COELHÃO!
Unknown disse…
Esse seu blog tem algum objetivo, significado,razão ou vc quer simplesmente salvar as montanhas????
Tádzio Coelho disse…
Para Fabrício:
Vamos lá, como eu já havia atentado no primeiro texto: "não sou ambientalista e muito menos pacifista, e não vejo soluções para as questões do super aquecimento global na tentativa de se criar um “Capitalismo mais humano e menos selvagem”, os limites do capitalismo são dados pelo capital, isso é, pela acumulação, pelo lucro e pela exploração do trabalho, e não é possível conciliar uma limitação dos lucros e o fim da depredação ambiental (que acontece, principalmente, nos países subdesenvolvidos) ao capital. Para isso seria preciso buscar outro tipo de sociedade". Quanto ao objetivo, acabei de inserí-lo como quadro do blog, valeu pelo toque. UI!
Pedrão Gostoso disse…
Este comentário foi removido pelo autor.

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