MÁRIO PEDROSA E A DITADURA MILITAR BRASILEIRA


Caxangá

Luto para viver, vivo para morrer
Enquanto minha morte não vem
Eu vivo de brigar contra o rei
composição: Milton Nascimento e Fernando Brant


Dando continuidade aos objetivos do blog, que não é apenas o de discutir a mineração, trago à tona o pensamento de um dos maiores intelectuais brasileiros do século XX. Mário Pedrosa, pernambucano, nasceu em 1901. Durante a ditadura militar brasileira foi exilado para o Chile de Salvador Allende, onde fundou o Museu da Solidariedade, que serviu como abrigo para várias obras de arte que, após o golpe militar de Pinochet, se tornaram proibidas. Sua atividade intelectual era vasta, mas se especializou em crítica da arte. O que não o impossibilitou de escrever uma das melhores análises políticas sobre as ditaduras militares na América Latina, obra* a qual aqui elucido com a ajuda essencial do de meu ex-professor, Pedro Roberto Ferreira.

Para Pedrosa, a ditadura brasileira é resultado das contradições no contexto social capitalista nacional e de suas imbricações com o capital externo.
No período anterior à ditadura, aconteceram mudanças e processos sociais que favoreceram os interesses da burguesia nacional. Com a política de substituição de importações (as mercadorias passam a ser produzidas localmente ao invés de serem importadas), que consiste na industrialização nacional, a classe dirigente- que antes deste processo era essencialmente agrária- se torna, em parte, industrial. Tal política só foi possível de ser implementada graças em parte a Segunda Guerra Mundial, que possibilitou uma maior autonomia dos países periféricos e a criação do parque industrial brasileiro, onde a burguesia nacional pôde se desvincular, em certa medida, de sua dependência do capital externo. Mas a principal razão do nascimento industrial foi a aliança de classes entre o proletariado e a burguesia na implementação da política de substituição de importações, mesmo que esse processo carregasse profundas contradições. É nessa conjuntura que Mário Pedrosa aplica o conceito Trotskista de desenvolvimento desigual e combinado, o readaptando a realidade brasileira, onde conviviam a produção agrária e a produção industrial.
Dessa forma podemos entender o caráter contraditório da burguesia brasileira, que era, e ainda o é, industrial e agrária.
Mas nos anos pós-Segunda Guerra Mundial o panorama sócio-econômico é transformado. O capital norte-americano vence a batalha com o capital alemão pelo mercado brasileiro, e a partir de então surge uma nova relação entre burguesia nacional e capital externo. Se antes a primeira aproveitou dos espaços de manobra abertos, em grande parte, pelo conflito militar nos países desenvolvidos, agora a última impele a burguesia nacional a voltar ao modo de produção agrário. O contexto mundial de então era o da Guerra Fria e da escalada de revoluções populares pela América Latina. Assim a preocupação das classes dirigentes locais e estrangeiras aumenta com a possibilidade de um processo revolucionário no Brasil. O governo brasileiro do início dos anos 60s- João Goulart- implementa uma tímida reforma agrária e representava, principalmente, os interesses nacionais, era um governo nacional-popular. Mas o capital externo, e a própria burguesia nacional, o enxergavam como um governo disposto ao comunismo, o que se tornava mais preocupante tendo em vista o acirramento das lutas sociais no Brasil, através da mobilização de movimentos sociais e partidos de esquerda.
É nesse contexto que, para Mário Pedrosa, se passa a formação da ditadura militar, o que na visão do autor resulta em um Estado Bonapartista militarizado. Esse conceito Pedrosa toma emprestado da análise de Marx no XVIII Brumário, e o readapta aplicando à realidade brasileira, pensando em suas diferenças em relação ao Estado Bonapartista francês. O Estado Bonapartista é aquele configurado numa sociedade que chega ao equilíbrio entre as classes antagônicas, possibilitando a tomada do poder por um novo elemento: no caso francês foi Luís Bonaparte, parente de Napoleão.
Sabe-se das crescentes reivindicações trabalhistas da época. A burguesia nacional, pressionada pelo capital externo, renuncia ao seu sistema político (do parlamento burguês, espaço das contendas intra-burguesas) em favor da repressão estatal sobre os ascendentes movimentos sociais. Ela renuncia alguns interesses em nome de outros, que são: a repressão popular; encolhimento salarial e de direitos sociais dos trabalhadores; aumento da margem de lucro. Renuncia um pedaço de sua atuação política em nome de seus interesses econômicos.
O capital externo queria reprimir qualquer risco de processo revolucionário no Brasil, e tinha como principal intenção acabar com a política de substituição de importações. A industrialização brasileira deveria ser represada, pressionando as classes dirigentes locais a voltarem a um modo de produção agrário. O capital financeiro tinha a intenção de instalar no Brasil medidas que favorecessem sua melhor circulação e o aumento de lucro. É daí que vem a preocupação com o saneamento da moeda, criando o mecanismo de correção monetária, já que a inflação brasileira desfavorece o mercado financeiro.
Dessa forma, Pedrosa nota que o Estado Bonapartista no Brasil não é resultado do equilíbrio das classes sociais como o era na França. Mas é resultado da intervenção de um agente imperialista, que se coloca acima das classes sociais locais. Esse Estado Bonapartista guarda ainda outra especificidade em relação ao francês. Se neste último houve a instauração de um poder pessoal, caracterizado pela profunda relação entre o líder político e a população, o mesmo não se passou no Brasil. Aqui houve um fortalecimento da burocracia de Estado. Fortaleceu-se o Executivo em detrimento do Legislativo. Assim, o parlamento é fechado e o corpo burocrático assume maior autonomia. O poder é impessoalizado, não há emergência de uma liderança carismática civil, são os militares que assumem a direção estatal. Isso se deveu à necessidade de forte repressão às ascendentes lutas sociais.
O Estado assume, na América Latina, papel predominante na direção dos caminhos econômicos. Apesar dessa forte atuação estatal, o que se vê são as primeiras medidas para a adoção do neoliberalismo. Esse é, em sua essência, a representação política do capital financeira. O livre mercado, saneamento da moeda, acabar com as conquistas históricas dos trabalhadores são algumas das medidas tomadas neste processo.
O encolhimento dos direitos trabalhistas é a principal das medidas para a burguesia local na implementação de um Estado Bonapartista militarizado. Mas esse processo carrega, também, profundas contradições que, segundo Pedrosa, não demorariam a aparecer. Afinal, há recuo na industrialização nacional e vários dos interesses da burguesia local são sacrificados. É então que se coloca a necessidade, para a classe dirigente nacional, de repressão dos espaços de atuação das classes baixas, pois os prejuízos dos industriais nacionais deveriam ser repassados aos trabalhadores, o que acirra as lutas sociais.
Conclui-se que, para o autor, houve uma forte presença do Estado brasileiro na implementação do neoliberalismo na economia nacional, o que, à primeira vista parece contraditório, mas que se justifica com o histórico de forte atuação estatal na economia latino-americana, na maior parte das vezes atuando a favor do capital financeiro internacional.
Essa é a minha tentativa de sintetizar uma das mais profundas análises sobre a ditadura militar na América Latina. Entender esse processo é ainda primordial para compreendermos os caminhos históricos que tomamos e onde estamos hoje.

* “A opção Brasileira” e a “Opção Imperialista”

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