UM DIA DE REFLEXÕES E DEBATES MINERÁRIOS II
Há um mês, escrevi a respeito da minha ida a uma reunião da alta burguesia mineradora onde foram expostos seus interesses enquanto classe. Mais recentemente, de novo, fui a uma assembléia que iria debater os caminhos da mineração, mas desta vez mudei de lado e de classe social. Fui a uma reunião aberta à população de Raposos na qual se discutiria a instalação de uma represa de rejeitos no município. A Vale tenta abrir a maior mineração ao céu aberto do mundo em Caeté, ocupando a Reserva natural da Serra da Gandarela, e os ditos “rejeitos” retirados da terra seriam depositados numa represa a ser construída em Raposos. A provável represa abrangerá toda uma área famosa por sua beleza natural que inclui cachoeiras e lagos, por sinal, muito freqüentados pela população local. Não é apenas uma riqueza natural, mas envolve o patrimônio cultural da cidade, com suas simbologias e imaterialidades. A assembléia foi organizada por várias organizações, entre elas o Projeto Manuelzão, o Movimento pelas Serras e Águas de Minas e, também, a Comissão de Preservação do Meio Ambiente de Raposos.
A reunião foi numa sexta feira após minha aula vespertina. Convidei meus alunos da Escola Dom Cirilo, sendo que vários foram ao local. A assembléia começou com a fala de alguns ambientalistas e, após eles, a argumentação de representantes da Vale. Os funcionários da Vale apelaram para um discurso retórico e excessivamente técnico que deixou os leigos na área da engenheira num limbo intencional, isto porquê a linguagem densa e aparente não diz nada sem demonstrar isso, surgindo como detentor da sabedoria. Em questão de tributos os benefícios ao município minerador são irrisórios. Segundo a Constituição brasileira, as mineradoras devem pagar royalties (Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais- CFEM) sobre a venda de minérios, sendo 3% para a bauxita, potássio e manganês; 2% para o minério de ferro, caulin, cobre, níquel e fertilizantes e 1% ouro. Em 2005, a arrecadação de CFEM foi de R$406.047.604,00 representando 1,3% do total, R$31.467.021.146,00. Este imposto é distribuído em 12% para a União, 23% para Estados e 65% pros municípios. MG ficou com 50,1%. As mineradoras ganham rios de dinheiro e retribuem os Estados e municípios com uma quantia ínfima que sequer cobre os gastos com meio ambiente. O Minério de ferro e petróleo não garantem empregos, segundo o IBGE, estes dois setores correspondem por somente 2,1% dos empregos de toda a indústria.
A intenção dos organizadores do evento é de grande valia, informar a população raposense sobre os males do projeto da Vale. Mas até que ponto será possível impedir o projeto minerador na região? Como podemos negociar com a Vale, ou até mesmo impedi-la de realizar suas vontades?
É necessário expor a debilidade das audiências públicas, que não influem, efetivamente, nos processos de decisão políticos. Ao abrir espaço para “discussões”, legitima-se um processo que não leva em conta os interesses da população local. Esse espaço político expõe contendas que, desde antemão, já tem um vencedor, isso é, as multinacionais mineradoras apoiadas na burguesia nacional e no Estado dependente. Não abre meios efetivos de a população deliberar sobre os caminhos a serem tomados, pelo contrário, com as audiências públicas, o proletariado apresenta seus interesses com a ilusão de que serão atendidos, tomando, assim, uma postura passiva diante do processo. Essa liberdade de assembléia os engana, levando a uma legitimação consentida.
Para Herbert Marcuse, se trata de uma tolerância repressiva. Tolera-se a expressão de opiniões contrárias às opiniões dominantes para que se legitime um processo dito “democrático”, onde se resolvem contradições e embates, claro, sempre a favor da posição dominante. Assim uma audiência pública tem como objetivo legitimar uma decisão que já foi tomada de antemão, que está determinada antes do debate.
Recentemente, em Itabira, a população local conseguiu infligir a um projeto da Vale 52 condicionantes (*). Mas tal feito é inédito e único que não serve como regra. Os habitantes de Raposos mostraram um claro repúdio contra o projeto da Vale, ainda mais ao saberem que apenas 5% dos empregos serão destinados à população local. Mas será isto o suficiente para barrar o projeto da Vale?
O grande questionamento dos organizadores do debate é sobre a barragem. Quando a mineração acabar, quem vai cuidar da barragem? Pergunto ainda mais. Quando o minério acabar o que nós iremos fazer? Entendendo o fazer como atividade econômica. Por que os ciclos econômicos passam, e aqueles baseados na extração pura de recursos naturais são especialmente perversos. Relembremos o ciclo da cana de açúcar no Nordeste que deixou a destruição do meio ambiente e a maior parte da população local à deriva da atividade econômica quando descobriram as minas de Minas Gerais. Seremos vítimas do nosso próprio feitiço?
(*)http://www.sociologia.ufsc.br/npms/shayra_altissimo_auxiliadora_santi.pdf
A reunião foi numa sexta feira após minha aula vespertina. Convidei meus alunos da Escola Dom Cirilo, sendo que vários foram ao local. A assembléia começou com a fala de alguns ambientalistas e, após eles, a argumentação de representantes da Vale. Os funcionários da Vale apelaram para um discurso retórico e excessivamente técnico que deixou os leigos na área da engenheira num limbo intencional, isto porquê a linguagem densa e aparente não diz nada sem demonstrar isso, surgindo como detentor da sabedoria. Em questão de tributos os benefícios ao município minerador são irrisórios. Segundo a Constituição brasileira, as mineradoras devem pagar royalties (Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais- CFEM) sobre a venda de minérios, sendo 3% para a bauxita, potássio e manganês; 2% para o minério de ferro, caulin, cobre, níquel e fertilizantes e 1% ouro. Em 2005, a arrecadação de CFEM foi de R$406.047.604,00 representando 1,3% do total, R$31.467.021.146,00. Este imposto é distribuído em 12% para a União, 23% para Estados e 65% pros municípios. MG ficou com 50,1%. As mineradoras ganham rios de dinheiro e retribuem os Estados e municípios com uma quantia ínfima que sequer cobre os gastos com meio ambiente. O Minério de ferro e petróleo não garantem empregos, segundo o IBGE, estes dois setores correspondem por somente 2,1% dos empregos de toda a indústria.
A intenção dos organizadores do evento é de grande valia, informar a população raposense sobre os males do projeto da Vale. Mas até que ponto será possível impedir o projeto minerador na região? Como podemos negociar com a Vale, ou até mesmo impedi-la de realizar suas vontades?
É necessário expor a debilidade das audiências públicas, que não influem, efetivamente, nos processos de decisão políticos. Ao abrir espaço para “discussões”, legitima-se um processo que não leva em conta os interesses da população local. Esse espaço político expõe contendas que, desde antemão, já tem um vencedor, isso é, as multinacionais mineradoras apoiadas na burguesia nacional e no Estado dependente. Não abre meios efetivos de a população deliberar sobre os caminhos a serem tomados, pelo contrário, com as audiências públicas, o proletariado apresenta seus interesses com a ilusão de que serão atendidos, tomando, assim, uma postura passiva diante do processo. Essa liberdade de assembléia os engana, levando a uma legitimação consentida.
Para Herbert Marcuse, se trata de uma tolerância repressiva. Tolera-se a expressão de opiniões contrárias às opiniões dominantes para que se legitime um processo dito “democrático”, onde se resolvem contradições e embates, claro, sempre a favor da posição dominante. Assim uma audiência pública tem como objetivo legitimar uma decisão que já foi tomada de antemão, que está determinada antes do debate.
Recentemente, em Itabira, a população local conseguiu infligir a um projeto da Vale 52 condicionantes (*). Mas tal feito é inédito e único que não serve como regra. Os habitantes de Raposos mostraram um claro repúdio contra o projeto da Vale, ainda mais ao saberem que apenas 5% dos empregos serão destinados à população local. Mas será isto o suficiente para barrar o projeto da Vale?
O grande questionamento dos organizadores do debate é sobre a barragem. Quando a mineração acabar, quem vai cuidar da barragem? Pergunto ainda mais. Quando o minério acabar o que nós iremos fazer? Entendendo o fazer como atividade econômica. Por que os ciclos econômicos passam, e aqueles baseados na extração pura de recursos naturais são especialmente perversos. Relembremos o ciclo da cana de açúcar no Nordeste que deixou a destruição do meio ambiente e a maior parte da população local à deriva da atividade econômica quando descobriram as minas de Minas Gerais. Seremos vítimas do nosso próprio feitiço?
(*)http://www.sociologia.ufsc.br/npms/shayra_altissimo_auxiliadora_santi.pdf
Comentários
Gostei muito do texto, você escreve tão bem quanto fala.
Concordo com o que vc disse sobre a debilidade das audiências públicas e outros processos de consultas, como as conferências. As decisões já são tomadas de antemão, e resta aos participantes a sensação de engodo e frustração.
Nossa democracia, por um lado, só tem 20 anos, mas por outro, já completou 20 anos... Deveriamos estar mais evoluídos, como sociedade? Nossa indignação não deveria ser mais premente e ativa?
Não sei o que fazer, se é que um dia soube, mas os atuais mecanismos tem que ser revistos, ou a mobilização das populações locais tem que ser maior. Mas como mobilizar??? Como engajar??
Estou meio frustrada com tudo nos últimos tempos...
Mas, além desse texto, gostei dos poemas!
Abs
Renata