AS CHAGAS DO SUBDESENVOLVIMENTO: O ORNITORRINCO




De tempos em tempos ressurge das cinzas um debate influenciado pelo evolucionismo. Muitos advogam que nos dias de hoje - assim como já o fizeram no passado - a tese de que o Brasil é uma potência mundial, que devido a uma série de fatores somos um “global player”. Eu não sei muito bem o que essa obtusa expressão significa, mas utilizando o meu surrado inglês, diria que o Brasil é um “peripherical player”, pra não dizer “subordinated player”. Como sabemos, durante o século XX, o Brasil passou de uma economia monoprodutora de café, com uma população fundamentalmente rural, para uma economia com variabilidade maior de atividades, passando pela industrialização. Esse processo atingiu seu auge nos anos 60s. O fato é que, já há algum tempo, o Brasil não se encaixa mais no perfil clássico de país subdesenvolvido, isso é, país monoprodutor de matéria-prima e com inserção periférica na economia mundial, pois conta com um robusto parque industrial além de ter certa importância dentro das decisões políticas mundiais. Porém, ao mesmo tempo em que já não é um país subdesenvolvido, também não o podemos classificá-lo como desenvolvido. Como disse Roberto Schwartz, a condição do Brasil se define pelo o que ela não é, isso é, nem sub e muito menos desenvolvido.

deixou de ser subdesenvolvido, pois as brechas propiciadas pela Segunda Revolução Industrial, que faziam supôr possíveis os indispensáveis avanços recuperadores, se fecharam. Nem por isso ele é capaz de passar para o novo regime de acumulação e não diminuem as desigualdades sociais.

Chico de Oliveira diz que nos aproximamos do ornitorrinco, um ser estranho aos padrões existentes, disforme e enigmático. Dentro dessa situação alheia ao binômio clássico (desenvolvimento x subdesenvolvimento) o fundamental é que se mantenha a acumulação de capital e a aprofunde ainda mais, não importando seus efeitos sociais. E é esse o grande problema, mesmo que tenha uma economia robusta e, de certa forma, vibrante, mantém as características sociais funestas do subdesenvolvimento. A concentração de renda se dá em níveis nunca antes vistos, relegando a maioria da população à miséria, e mais que isso, tendo a farta oferta de mão de obra como condição sine qua non para acumulação e reprodução do capital, mesmo que isso implique em altas taxas de desemprego, informalidade, pobreza, violência, etc. Assim, o subdesenvolvimento é ainda uma chaga aberta no Brasil.

O importante é notarmos que a condição de semiperiferia pode nos enganar. E parece ser o que vem acontecendo. O pior é que esse engano tende a aprofundar ainda mais nossa condição de dependência frente aos mandos e desmandos da economia mundial, aumentando a vulnerabilidade externa de nossa economia, novamente lembrando que tudo isso se faz em nome de uma maior acumulação de capital encampada pelas elites exportadoras de commodities e, principalmente, pelo capital financeiro nacional e internacional. A relevância do Brasil no mercado mundial é relativa. O economista Reinaldo Gonçalves nos mostra que:

O Brasil não é um fornecedor de poupança externa, nossa moeda não existe no cenário internacional e, como disse, nosso passivo externo é altamente elevado. Tudo isso demonstra que o País não tem peso no sistema monetário, nem financeiro.

E ainda que:

Quando começou o governo Lula, o Brasil representava 2,9% do PIB mundial. Quando terminou o governo Lula, o Brasil representava 2,9% do PIB mundial. Portanto, estagnou na competição global.

A cilada de longo prazo parece estar dada pelas condições de retração da indústria: a forte valorização do real frente ao dólar, o que incentiva as importações em detrimento da indústria nacional; uma agenda econômica travada, com o discurso de que seria o forte aquecimento da economia brasileira o causador do aumento da inflação, o que justifica a retração dos investimentos públicos. É exemplar o estudo realizado pela Fundação João Pinheiro, de junho, sobre a indústria em Minas Gerais, mostrando que a “os fatores contribuintes para a desaceleração do crescimento em Minas Gerais são os mesmos apontados no plano nacional: a retirada dos estímulos fiscais para o fortalecimento da demanda agregada ao longo do segundo semestre do ano passado; as medidas de restrição ao crédito bancário dos últimos meses de 2010; a contínua elevação da taxa básica de juros pelo Banco Central; e o arrefecimento do ânimo de formação de capital das empresas após o surto de investimento privado observado durante o segundo semestre de 2009 e o primeiro semestre de 2010”.

Em texto publicado aqui no blog, Maria Lucia Fattorelli mostra que o que ocorre é a inflação de preços, “provocada por contínuos e elevados reajustes dos preços de alimentos e preços administrados, tais como combustíveis, energia elétrica, telefonia, transporte público, serviços bancários”, resultado em grande parte da especulação dos preços no mercado financeiro (o que evidencia nossa vulnerabilidade externa), e não pelo aumento desenfreado da demanda, que vem crescentemente sendo atendida por produtos importados. A constante alta da taxa de juros Selic se mostra no horizonte insustentável pelo crescimento exponencial da dívida pública. Hoje quase metade dos recursos da União são drenados para o pagamento dos juros da dívida que só aumentam, recursos que em um “global player” seriam direcionados para a educação (que teve 2,89% do orçamento da União este ano), saúde (3,91%), investimento em infra-estrutura, etc. A alta taxa de juros desincentiva investimentos a longo prazo, o que é fundamental num país com pretensões de potência mundial. Para muitos estudiosos do tema, o “tombo” da economia brasileira virá com a futura freada do consumo de matérias-primas do mercado chinês, o que derrubará o preço das commodities. Os atuais cortes de investimentos públicos (R$ 50 bilhões) mostram que a prioridade é pagamento dos juros da dívida por meio de um cada vez mais forçado superávit primário na balança comercial. O que nota-se numa correlação de forças sociais é a hegemonia financeira, tendo em vista a gigantesca transferência de recursos públicos para o capital financeiro internacional e nacional por meio dos títulos da dívida pública. Mais do que nunca, vivemos na República do Capital Financeiro, o ornitorrinco só organizou novas formas de acumulação que chegam a níveis nunca atingidos antes:

Em resumo, para combater o risco inflacionário, estamos “enxugando” o excesso de moeda que evidentemente não decorre de superaquecimento da atividade econômica no país, mas de movimento especulativo que tem beneficiado escandalosamente o setor financeiro nacional e internacional, cujos lucros batem recordes anuais e superam dezenas de bilhões de dólares (Fattorelli).

Em outras palavras, somos governados por banqueiros que drenam os recursos do Estado para seus bolsos, recursos conseguidos principalmente por meio dos impostos dos mais pobres do país, já que nossa carga tributária é altamente regressiva taxando fortemente o consumo ao invés da propriedade, isso é, o imposto que o pobre paga ao comprar 1 kg de arroz é o mesmo que paga o rico, mas a fatia de seu orçamento taxado é muito maior frente ao orçamento dos mais ricos. É esse o desenho da espoliação funesta que acontece em nosso país.

Podemos também dizer que o Brasil está longe de se tornar uma potência mundial ao analisarmos seus esparsos investimentos em Ciência e Tecnologia, mantendo a sua dependência por avanços nessa área vindos dos países centrais do capitalismo. Estamos envoltos numa espécia de neo-atraso, que assume novas características, diferentes em alguns aspectos do subdesenvolvimento clássico, mas que mantém o principal: a concentração da renda, o aumento das desigualdades e a superexploração do trabalho. Pra finalizar gostaria de destacar que não existe uma estrada rumo ao desenvolvimento, e caso exista, é um “desenvolvimento das forças produtivas” que “desgraça uma parte da humanidade, em lugar de salvá-la; o subdesenvolvimento deixa de existir, não assim suas calamidades” (Schwartz). Poderíamos pensar, nesse sentido, como André Gunder Frank, em um ”desenvolvimento do subdesenvolvimento”. Precisamos buscar novas alternativas, do contrário, chegamos a um “beco sem saída” rostowniano*.

* Walt Whitman Rostow- economista do começo do século XX que defendeu a plausibilidade de um caminho linear entre sub e desenvolvimento.

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