OURO E ARSÊNIO NA SENTINELA DE RAPOSOS
Descubro a cada dia em minha
terra histórias que se contam no calar das vozes, através de memórias
desbotadas. São histórias rejeitadas pelo ponto de vista oficial, enterradas em
antigas minas da lembrança popular. As minas de Morro Velho já foram objeto de
outros textos do blog. O que quero relatar aqui é um desdobramento da extração
do ouro dessas minas.
O local conhecido como “Galo
Velho” faz a divisa entre os municípios de Raposos e Nova Lima. No Galo ficava
uma parte da antiga Mineração Morro Velho (atual Anglo Gold Ashanti), onde se
separava o ouro do rejeito. Após a extração mecânica do ouro, queima-se o
rejeito para a retirada de mais ouro depositado ainda neste rejeito. Um dos compostos
resultantes do processo é o arsênio. Extremamente tóxico, o arsênio é absorvido
pelo organismo humano principalmente pela inalação e ingestão. As principais
patologias provocadas pela intoxicação
aguda e crônica
de arsênio são
problemas no metabolismo,
tumores cutâneos, úlceras, gastrites, diarreias, arritmias
cardíacas, câncer do pâncreas e
pulmão, maior frequência de abortos espontâneos, fetos com baixo peso, dores de cabeça, confusão mental
e anemias (Hutton, 1987; Morton & Dunnette, 1994; Chen & Lin, 1994;
USEPA, 2000; WHO, 2001).
A principal fonte de arsênio é a mineração em rocha
arsenopirita, exatamente a explorada pela Mineração Morro Velho na região de
Nova Lima e Raposos. A estimativa é de que tenham sido produzidas em todo o
Quadrilátero Ferrífero 390 mil toneladas de arsênio.*
Segundo relatório do Serviço Médico da Divisão do Fomento da
Produção Mineral, de 1943:
"Em 135 operários
examinados, 117 apresentavam lesões produzidas pela doença (arsenicismo).
manifestações essas que surgiam na maioria dos casos com apenas quatro meses de
trabalho, inutilizando praticamente as vítimas, provocando-lhes dores atrozes
nas juntas, deformações, úlceras, etc.".**
Conhecida também como “casa da
morte”, o Galo foi alvo de mobilizações durante boa parte do século XX por
parte dos moradores de Raposos e região frente ao despejo de arsênio no Rio das
Velhas. Além de esbranquiçadas e fétidas, as águas se tornavam extremamente
prejudiciais à saúde da população.
Muitos estudos recentes indicam ainda a presença de arsênio além do estipulado por lei na água consumida pela
população em várias localidades de Minas Gerais:
Até os dias de hoje a mata existente no local está
contaminada com o Arsênio.
Há algum tempo venho procurando
saber que foto é aquela estampada na capa do disco “Sentinela”, de Milton
Nascimento, e descobri que é uma foto do local onde funcionava o Galo Velho em
Raposos.
Hoje o Galo Velho é a sentinela
de Raposos. Na entrada da cidade, nos lembra dos horrores produzidos pela
exploração do ouro e do homem.
* GONÇALVES, José A.; PEREIRA,
Margarete A.; PAIVA, José F.; LENA, Jorge C. O arsênio nas águas subterrâneas
de Ouro Preto-MG. Disponível em: <http://www.degeo.ufop.br/terraCiencias/coloquios/Icoloquio/conservacao/3_Impactos_das_atividades_antropicas_em_bacias_hidrograficas_o_Arsenio_nas_nascentes_do_Rio_Doce_no_Quadrilatero_Ferrifero.pdf >
** Disponível em: < http://historianovalima.no.comunidades.net/index.php?pagina=1236645310
>
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